domingo, 4 de janeiro de 2009

Coluna 08



Pois é gente, enquanto vocês votam nos Melhores do Ano vou continuar a postar antigas colunas por aqui.
Aí vai uma do dia 18/05/2008. Boa leitura!!!!


As minhas duas últimas idas ao cinema, realmente, valeram a pena.
Há algumas semanas atrás assisti ao filme “Juno”. Um exemplo de como despretensão e simplicidade podem fazer um bom filme. Vencedor do Oscar de melhor roteiro original, "Juno" tornou-se a sensação do primeiro trimestre de 2008. Todos passaram a falar em "Juno", um filme independente que custou apenas 7,5 milhões de dólares e arrecadou mais de 110 milhões só nos Estados Unidos! Um grande feito de bilheteria. A comédia ainda concorreu a três categorias no Oscar (filme, direção e atriz, para Ellen Page).
O filme conta a história de uma menina de 16, Juno (Ellen Page), que engravida do namorado Bleeker (Michael Cera) após a primeira transa dos dois. Na maioria dos filmes que tratam dessa temática, tudo é visto sempre com muito tabus, de uma forma muito complicada e o debate sobre aborto trás sempre fogo às discussões. “Juno” ao construir uma protagonista corajosa e decidida, que sabe que não adianta fechar os olhos, passa longe da complicação. Depois de desistir do aborto e contar com a compreensão do pai, a garota resolve entregar o bebê para pais que não podem ter filhos. Eis que ela encontra nos classificados do jornal o aparentemente perfeito casal Vanessa (Jennifer Garner) e Mark (Jason Bateman).
A história é recortada por uma trilha sonora extremamente delicada. É a cargo da música que fica o papel de dar um “colorido” ao relacionamento de Juno e Marc, um compositor apaixonado por rock. É graças à música também que quase não contemos o choro nas cenas de Juno e Bleeker, costurando os diálogos de uma forma tão emotiva, mas sem cair no apelativo. A trilha sonora é composta basicamente de músicas folk americanas e de doces canções da banda escocesa “Belle e Sebastian” (divinos). Se você é um apaixonado por cinema e música como eu e principalmente pelo casamento dos dois, vai querer desligar o aparelho de DVD e baixar praticamente toda a trilha.
O roteiro de Diablo Cody (que abalou o Oscar com um visual pra lá de ousado) é certeiro e com diálogos precisos, que ganham ainda mais força com a atuação segura de Ellen Page. O amadurecimento que a personagem é obrigada a passar depois que engravida e a maneira como passa a ver o mundo dos adultos foi tecido sem julgamentos. Muito desse mérito também se deve ao trabalho do diretor Jason Reitman, que mostrou em outro ótimo filme, “Obrigado por Fumar”, que sabe como ninguém dirigir comédias cínicas, como ambos os filmes. A situação é encarada com cinismo, com humor inteligente e sarcástico que dão base às situações do filme. Mas ao mesmo tempo, existe uma sinceridade única na construção dos personagens, sempre muito verossímeis e honestos.
Outra produção que merece uma atenção maior do público é o mais novo filme de Woody Allen “O sonho de Cassandra”. Nesse filme que trás os talentosos Ewan Mcgregor e Collin Farrell, Woody vai mais fundo nos questionamentos dos relacionamentos humanos. Se antes ele se concentrava mais em relacionamentos amorosos, agora ele amplia mais o olhar de sua lupa. O thriller te prende do início ao fim levando a um final inesperado. Assim como em “Match Point” Woody Allen retorna ao assunto que mais o agrada: o crime com seu respectivo castigo. Só que agora dá à tragédia sua real descendência grega e o peso do hybris (quando um simples mortal ultrapassa a ordem social e as vontades dos deuses levando-o a queda). Outras ligações com a tragédia grega aparecem, por exemplo, quando as mortes não são mostradas ou quando o final é contado por uma espécie de corifeu. O próprio gráfico do roteiro relembra a estrutura dramática de peças de Eurípedes, Ésquilo, Sófocles, etc.
Tudo ocorre em Londres, onde os irmãos Ian (Ewan McGregor) e Terry (Collin Farrell) vivem uma vida de falsas aparências. Ian usa belas roupas, carros emprestados e muito de seu charme britânico para ocultar uma situação financeira periclitante. Terry tem a capacidade de ganhar fortunas em jogos de azar, para perdê-las, em dobro, logo em seguida. É nesta situação de total instabilidade que surge o tio Howard (Tom Wilkinson), o herói da família, o único que deu certo e ficou milionário A presença do querido milionário vindo da América poderia ser a solução de todos os problemas dos sobrinhos. Mas é exatamente aí que as maiores tragédias começam a se desenhar. Vale lembrar: na mitologia, Cassandra é a portadora de más notícias.
E não é só na tragédia grega que Woody Allen foi beber para construir a trama de “O sonho de Cassandra”. Lá está Dostoievski (Crime e Castigo), a lenda de Caim e Abel e até algumas referências a seus próprios filmes. Tem quem diga que há menos humor em o sonho... Mas eu nunca o achei tão ácido, como na seqüência em que os irmãos tentam sem sucesso assassinar um homem em sua própria casa e incidentes matam a platéia de rir... em plena tragédia!
Só gênios como Woody Allen conseguem construir tão bem essa teia de contradições fazendo com que você seja levado pela narrativa e nem perceba. É assim quando assistimos a filmes de Fellini, Chaplin, Orson Welles, Hitchcock, Trouffaut e principalmente Bergman, principal influência assumida de Allen. Num primeiro momento você pode não entender o que o diretor de “Fanny e Alexander” tem em comum com a comédia de costumes de Woody Allen. Mas quem foi tão fundo na discussão vida X destino, dialética amplamente discutida nos últimos filmes de Allen, quanto Bergman? Sobre o próprio, Allen já disse: “Sobretudo há Ingmar Bergman, que, tudo considerado, é provavelmente o maior artista do cinema desde a invenção da câmera”. O filme “Interiores” de 1978, dirigido por Woody Allen é sem dúvida a influência mais nítida de Bergman em suas obras.
A trilha sonora também é um ponto alto em “O sonho de Cassandra”. As músicas de Philip Glass compostas especialmente para o filme, parecem que regem o ritmo das cenas e do nosso batimento cardíaco. No fim da sessão, quem conhece a filmografia de Woody Allen pode achar que ele se repetiu. O que não é problema nenhum para um filme de Woody Allen. Afinal, um autor tem direito de plagiar a si mesmo.
Infelizmente ambos os filmes praticamente já saíram das salas de cinema e passaram completamente despercebidos pelas salas do Montes Claros Shopping Center que prioriza blockbuster. Mas logo no início do segundo semestre já devem estar na locadoras e vale a pena pegar um balde pipoca e curtir esses dois grandes filmes.

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