terça-feira, 26 de agosto de 2008

Resolvi sair um pouco da sequência de postagem das antigas colunas, para postar a ultima coluna que fiz. A experiencia no worshop com Sérgio Penna foi tão profunda que deu mais que um comentário...

Acho que ficou até pesado demais....mas verdadeiro.

Beijos


Ser ou não ser?

Quando um jovem decide escolher a interpretação, seja ela no teatro, no cinema ou na televisão, deve ter sempre em mente os obstáculos que deverá superar para obter êxito na profissão. Não apenas os obstáculos financeiros, sociais ou de mercado. Acima de tudo é necessário ao ator uma busca sincera pelo autoconhecimento. O trabalho do ator começa por aí, na erradicação de bloqueios, eliminando a resistência de seu organismo e integrando todos os seus “poderes” corporais e psíquicos. Difícil? Sim, mas bem possível.
Entre os dias 18 e 22 de agosto tive a oportunidade de fazer um workshop com o preparador de atores Sérgio Penna. Durante a semana fizemos uma série de exercícios de interpretação e discutimos alguns filmes que tinham atores dirigidos por Sérgio. É dele a direção de elenco de importantes filmes da cinematografia brasileira recente, como por exemplo: “Bicho de Sete Cabeças” (1999); “Carandiru” (2003); “Não por Acaso” (2006) e “Chega de Saudade” (2007).
Sérgio Penna começou sua caminhada em meio à efervescência cultural e comportamental da São Paulo da segunda metade do século XX. Jovens que iniciavam sua caminhada teatral almejavam um teatro mais visceral, que interferisse e acrescentasse de fato, novas referências na platéia. Um teatro que dialogasse com um novo Brasil que desabrochava e onde os atores fossem reais criadores e não apenas orientados a desempenhar um papel escrito. Nessa época surgia no Brasil o Teatro de Arena, o Opinião e o Teatro Oficina, influenciados diretamente pelas inovações de jovens grupos europeus como: Living Theatre; Odin Theater, de Eugênio Barba; Teatro Laboratório, de Jerzy Grotowski; Ariane Mnouchkine e o Theatre Du Soleil e o Centro Internacional de Pesquisa Teatral dirigido por Peter Brook.
Paralelo a isso o cinema também vivia um rico momento de transição com as vanguardas japonesa, italiana e francesa e o surgimento, influenciado exatamente por essas vanguardas, do cinema de diretor nos Estados Unidos com os ainda jovens Martin Scorsese e Francis Ford Copolla. No Brasil, Glauber Rocha com uma câmera na mão e uma idéia na cabeça dava início ao cinema novo e presenteava o país com “Terra em Transe” e “Deus e o Diabo na Terra do Sol”, verdadeiras aulas de interpretação e de cinema.
É nessa intersecção entre o teatro e o cinema que aparece o trabalho de Sérgio Penna. Dirigiu ao lado de Renato Cohen três espetáculos da Cia. Teatral Ueinzz, coordenada por Peter Pál Pelbart (filósofo, terapeuta e professor da PUC/SP). Desenvolveu com a companhia o conceito de Teatro do Inconsciente: espaço de encontro entre a arte contemporânea e a linguagem artística de pacientes psiquiátricos. Foi então que em 1999 assumiu pela primeira vez a preparação de elenco de um filme. O filme em questão, “Bicho de Sete Cabeças”, era um filme de estréias: o primeiro filme da diretora Laís Bodanzky; a primeira incursão de Sérgio no cinema e o primeiro protagonista de Rodrigo Santoro na telona.
“Bicho de Sete Cabeças” conta a história de Neto, um jovem que vai para uma instituição psiquiátrica quando seus pais descobrem um cigarro de maconha em seu casaco. Com isso, Neto sai de seu cotidiano adolescente e se vê inserido em uma tragédia do acaso, uma insólita viagem ao mundo dos manicômios. Para transitar por esse tema delicado e intenso, Sérgio Penna guiou os atores em um mergulho para familiarizar-se com esse universo.
A partir desse feliz casamento, a agenda de Sérgio Penna e de sua fiel companheira Silvana Matteussi não teve sossego. Logo após “Bicho de Sete Cabeças”, vieram mais de oito filmes, entre eles “Carandiru” que Sérgio considera um grande desafio, dirigindo cerca de 400 atores de uma vez. Repetiu a parceria com Rodrigo Santoro no filme brasileiro “Não por Acaso” de Phillippe Barcinsky e nas produções internacionais que o ator tem participado, como: “Che”, “Leonera” e “I Love You, Philip Morris”. Seus dois mais recentes xodós são “Bróder” de Jeferson De (Caio Blat que encabeça o elenco, chegou a morar em Capão Redondo durante o processo de produção) e “Condomínio Jaqueline” de Roberto Moreira, ambos inéditos.
Para Penna pequenas variações rítmicas, gestos essenciais, olhares e silêncios interligados através de um intenso trabalho corporal e respiratório são capazes de ativar os sentimentos espalhados por uma espécie de musculatura afetiva. O encenador francês Antonin Artaud afirma em seu livro O Teatro e seu duplo: “É mister conhecer o próprio corpo como um acumputurista (...) não se contentar em imitar uma atitude exterior, porém trabalhar o corpo a partir do interior”. Todo esse percurso aproxima os atores de sua própria experiência de vida, encontrando dentro de si solidões expostas, desejos fugazes e melancolias profundas que nem sabíamos que guardávamos, mas que deixa mais natural a atuação.
Esse processo de investigação é tão profundo e tão criativo que permite propostas mais arriscadas como a do filme “Contra Todos”. A idéia do diretor do filme, Roberto Moreira, era de que o foco principal do filme fosse o trabalho do ator, incluindo todas as possibilidades de contribuição que o ator pudesse trazer, não só na construção da personagem e na interpretação, bem como na dramaturgia, no figurino, etc. A singularidade do processo ficou marcada pela opção de não apresentar o roteiro aos atores. Sobre o processo de preparação Sérgio diz: “Este desafio diante do desconhecimento das personagens e de seus caminhos na trama, deixava claro para os atores que seria preciso uma entrega muito grande de cada um para enfrentar o que estava sendo proposto. A construção das personagens foi feita literalmente na prática, cena após cena, improvisação após improvisação, e a cada dia os atores eram provocados com novas referências, indicações e pistas.”
Depois de ter tido a oportunidade de vivenciar uma amostra desse processo, nem que por uma semana, não podia escrever sobre outra coisa essa semana. Passar cinco dias, todas as manhãs vivenciando uma paixão nos deixa com vontade de dividir. A oficina de Sérgio Penna foi um reencontro. A verdade é que tenho reencontrado um curioso adormecido. Idéias fervendo, medos com menos força, dúvidas. Vontade, feridas abertas. Opostos que me impulsionam para frente. Eh, meus amigos... Interpretar não é terapia, mas pode ser terapêutico.

"Antônia"

Rodrigo Santoro em "Não por acaso"

Gero Camilo, Caco Ciocler e Sérgio Pena nos bastidores de "Bicho de Sete Cabeças"

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